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    Chris Hedges

    Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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    Cornel West e a campanha para acabar com o Apartheid político

    Os dois partidos políticos dominantes nos EUA destruíram a nossa democracia. Votar para um ou para o outro não a trará de volta

    Do Povo, Pelo Povo, Para o Povo - Of the People By the People For the People – arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)

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    Publicado no Substack. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

    Os partidos Republicano e Democrata dos EUA não têm nenhuma intenção de admitir a entrada de independentes e terceiros partidos em seu clube exclusivo. Uma série de leis e regras misteriosas que governam as eleições torna extremamente difícil para os forasteiros se registrarem nas cédulas, obterem exposição pública, arrecadarem dinheiro e cumprirem os regulamentos que são arquitetados para promover os interesses dos Republicanos e Democratas, ou para participarem de debates públicos. Os terceiros partidos e os independentes são efetivamente desprivilegiados, apesar de 44% do público votante se identificar como independente. Essa discriminação é eufemisticamente rotulada de "bipartidarismo", mas o termo correto, como escreve Theresa Amato, é "apartheid político".

    "Um dos segredos mais bem guardados na política estadunidense é que o sistema de dois partidos há muito tempo está em estado de morte cerebral – mantido vivo por sistemas de suporte, como as leis eleitorais estaduais que protegem os partidos estabelecidos contra rivais, subsídios federais e as chamadas reformas de campanhas eleitorais", ressalta o cientista político Theodore Low. "O sistema de dois partidos entraria em colapso instantaneamente se os tubos fossem removidos e a alimentação intravenosa fosse cortada".

    Amato foi a gerente nacional da campanha presidencial e conselheira-residente de Ralph Nader nas eleições de 2000 e 2004. Seu livro, "Grand Illusion: The Myth of Voter Choice in a Two-Party Tyranny", é um relato sóbrio sobre nosso apartheid político, baseado em sua experiência nas campanhas eleitorais de Nader. Nele, ela descreve, em detalhes minuciosos, os mecanismos nefastos, especialmente as regras bizantinas que variam de um estado para outro, para sequer ser incluído na cédula eleitoral.

    Os terceiros partidos que não estão qualificados para inclusão na cédula e os independentes devem coletar assinaturas válidas em uma petição para concorrerem à presidência. Alguns estados exigem o pagamento de uma taxa ou algumas centenas de assinaturas. Outros exigem dezenas de milhares de assinaturas. Os Republicanos e Democratas estabelecem as exigências nos legislativos estaduais e, em seguida, as contestam com dinheiro corporativo e equipes de advogados, levando independentes e candidatos de terceiros partidos aos tribunais para desafiar a validade das assinaturas em suas petições. Esses processos judiciais são usados para invalidar assinaturas e impedir que os candidatos sejam incluídos nas cédulas de votação, privando os eleitores da oportunidade de apoiar outros candidatos, além de esgotar os orçamentos de campanha dos pequenos concorrentes. As autoridades estaduais dos partidos Republicano e Democrata, sejam eleitas ou nomeadas, administram as eleições federais para servir ao avanço de seus partidos.

    As exigências para se registrar na cédula eleitoral se assemelham às regras estabelecidas durante a época de "Jim and Jane Crow" [segregação racial] para impedir que afro-americanos pudessem se registrar para votar. No estado de Ohio, por exemplo, exige-se que as assinaturas na petição sejam escritas apenas em um condado por petição, forçando os coletores de assinaturas a carregarem pilhas de petições por condado. O estado de Washington exige a publicação de um aviso prévio de 10 dias em um jornal antes da realização de uma convenção para a nomeação de candidatos. O estado da Virgínia Ocidental exige que os coletores de assinaturas obtenham credenciais do funcionário do condado em cada condado, que devem ser mostradas durante a coleta de assinaturas. O estado de Nevada exige que cada petição seja reconhecida em cartório.

    "Para complicar ainda mais as coisas, de uma maneira kafkiana, muitas das autoridades eleitorais temem declarar exatamente o que significam as provisões de sua lei estadual; elas não querem se envolver em uma batalha legal – então, muitas vezes elas alegam não saber, não poder dizer e que não se pode confiar em qualquer coisa que elas digam", escreve Amato. "Alternativamente, você pode ouvir opiniões diferentes, dependendo de quem você perguntar, ou encontrar autoridades eleitorais que simplesmente não conhecem a lei que estão aplicando, como descobrimos nas eleições de 2004 na Califórnia".

    As comissões e conselhos estabelecidos para monitorar as eleições, como a Comissão Federal Eleitoral, também são compostos quase exclusivamente por Republicanos e Democratas.

    Amato descreve o domínio das leis de financiamento de campanhas da Comissão Federal Eleitoral como o equivalente a aprender "um idioma estrangeiro em alguns dias e, em seguida, ensiná-lo aos funcionários e voluntários da campanha – os quais têm pouca ou nenhuma experiência com os regulamentos federais".

    Os ramos nacionais, estaduais e locais dos partidos Republicano e Democrata contratam fornecedores e consultores políticos para trabalhar em cada ciclo de campanha eleitoral. Isso geralmente não ocorre com terceiros partidos e independentes, que carecem de recursos e fundos para construir uma infraestrutura permanente de campanha. Os dois partidos dominantes também podem contar com os Super Comitês de Ação Política, ou Super PACs (Super Political Action Committees), para arrecadar quantias ilimitadas de dinheiro de indivíduos ricos, sindicatos, corporações e outros comitês de ação política. Os Super PACs podem gastar "independentemente" em benefício da campanha – embora não possam doar diretamente para a campanha nem coordenar suas atividades com os comitês de candidatos a cargos federais.

    Dado o fato de que arrecadam tanto dinheiro, os Republicanos e os Democratas não têm incentivos para participar do sistema público de financiamento de campanhas, nem para criar uma alternativa que possa ajudar terceiros partidos ou candidatos independentes.

    "O que têm os empobrecidos terceiros partidos e candidatos independentes?", escreve Amato. "Eles recebem financiamentos federais para as eleições gerais apenas após o fato – se, e somente se, eles superarem 5% do total dos votos nacionais. A possibilidade incerta de receber dinheiro após as eleições é tão inútil para os candidatos concorrendo na eleição corrente, os quais não podem contar com isso, apesar de talvez poder ser útil para o partido na eleição seguinte".

    Se terceiros partidos e independentes estiverem dispostos a se sujeitar a auditorias federais automáticas e onerosas, bem como cumprir uma variedade de exigências financeiras precisas em pelo menos 20 estados, além de concordar em se restringir a limites de despesas de campanha em todos os estados, talvez possam se qualificar para receber fundos correspondentes para as eleições primárias.

    Conforme destacado no livro "Third Parties in America", a Lei da Comissão Federal Eleitoral é "uma importante lei de proteção partidária".

    Aqueles que tentam desafiar o estrangulamento do duopólio dos partidos Republicano e Democrata são atacados como "estraga-prazeres", ingênuos ou egomaníacos. Esses ataques também já começaram contra Cornel West, que está se candidatando à nomeação como candidato presidencial do Partido Verde dos EUA. A premissa subjacente por trás desses ataques é que não temos o direito de apoiar um candidato que defende nossos valores e preocupações.

    "Em 2016, o Partido Verde desempenhou um papel descomunal em favor da virada da eleição de Donald Trump", escreveu David Axelrod, estrategista-chefe das campanhas presidenciais de Barack Obama. "Agora, com a provável nomeação de Cornel West, eles poderiam facilmente fazer isso novamente. Um negócio arriscado".

    Essa é a mesma mensagem que tem sido divulgada repetidamente pelas autoridades do Partido Democrata, pelas mídias e celebridades, para desacreditar Ralph Nader – que recebeu mais de 2,8 milhões de votos na eleição de 2000, quando foi candidato.

    Os independentes e os terceiros partidos ainda não representam uma ameaça séria ao duopólio. Eles geralmente aparecem nas pesquisas de opinião com números pequenos, apesar de Ross Perot ter obtido 19% do voto popular. Eles arrecadam apenas uma minúscula fração das centenas de milhões de dólares disponíveis para os Democratas e Republicanos. A campanha de Biden-Harris, o Comitê Nacional Democrata e seus comitês conjuntos de arrecadação, por exemplo, arrecadaram US$ 72 milhões entre abril e o final de junho. O ex-presidente Donald Trump arrecadou mais de US$ 35 milhões no mesmo período. O governador da Flórida, Ron DeSantis, arrecadou US$ 20 milhões no mesmo período. A campanha de West arrecadou US$ 83.640,28, segundo Jill Stein, que está gerenciando a campanha eleitoral de Cornel.

    Biden arrecadou US$ 1 bilhão para financiar sua candidatura em 2020. O custo total das eleições de 2020 foi de impressionantes US$ 14,4 bilhões – tornando-a, como a Open Secrets destacou, "a eleição mais cara da história dos EUA e duas vezes mais cara que o ciclo eleitoral anterior".

    No entanto, os candidatos de terceiros partidos e independentes representam um perigo para os Republicanos e Democratas contratados por corporações, porque eles expõem a falência política, a desonestidade e a corrupção do duopólio. Essa exposição, se permitida a persistir, potencialmente alimentará um movimento mais amplo para derrubar a tirania dos dois partidos. Por essa razão, os partidos Republicano e Democrata estão conduzindo campanhas contínuas, amplificadas pela mídia, para desacreditar seus rivais de terceiros partidos e independentes.

    A censura direcionada pelo governo e imposta às mídias sociais, como exposto por Matt Taibbi, visa obstruir os críticos da esquerda e da direita que ataquem a elite dominante do poder.

    Você ouvirá muito mais, por exemplo, sobre o apartheid do Estado de Israel e os sofrimentos dos palestinos vindos de Cornel do que de qualquer candidato Republicano ou Democrata – incluindo Robert F. Kennedy, Jr., que apoia o governo israelense.

    Existem numerosos problemas com nosso sistema eleitoral: a supressão de eleitores, as dificuldades para se registrar para votar, o processo muitas vezes incômodo para votar, os mecanismos falhos usados para contar votos, os 30 ou 40 titulares de mandatos que concorrem sem opositores a cada ciclo eleitoral para o Congresso, a prática de redistritagem, que nega aos residentes de Washington, D.C., a possibilidade de votar em sua representação no Congresso, negando o direito de votar para presidente ou para um membro votante do Congresso aos povos dos "territórios" dos EUA – como Guam e Porto Rico – a privação de direitos de mais de três milhões de ex-prisioneiros e a purga de milhões de ex-prisioneiros dos registros de eleitores, e o absurdo do Colégio Eleitoral, que faz com que candidatos como George W. Bush e Donald Trump percam no voto popular e vençam a presidência.

    No entanto, esses problemas não se comparam aos obstáculos enfrentados por terceiros partidos e independentes que montam e gerenciam campanhas.

    Os partidos corporativos dominantes têm uma aguda consciência de que têm pouco a oferecer a um público desiludido, além de mais guerras, mais austeridade, mais controle governamental e mais intrusão em suas vidas, mais isenções fiscais para Wall Street e corporações, e mais miséria para as classes trabalhadoras. Eles usam seu controle do sistema eleitoral para nos forçar a escolher entre mediocridades como Donald Trump – e como grandes doadores de campanha, como Lloyd Blankfein, disseram que apoiariam Trump caso Bernie Sanders fosse o candidato do Partido Democrata – e Joe Biden. Os únicos candidatos eleitoralmente viáveis fora da estrutura dos dois partidos são os muito ricos – como Ross Perot ou Michael Bloomberg –, os quais, como escreve Amato, são capazes de "comprar seu caminho para superar as barreiras de restrição do acesso ao voto e a cobertura inexistente das mídias".

    Os eleitores não votam em quem eles querem. Eles votam contra aqueles que foram condicionados a odiar. Nesse meio-tempo, a oligarquia garante que seus interesses estejam protegidos.

    Nenhum candidato presidencial Republicano ou Democrata tem qualquer intenção de impedir a pilhagem corporativa. Eles não restringirão a indústria dos combustíveis fósseis, nem combaterão o ecocídio. Eles não reconstruirão nossa infraestrutura decadente nem nosso sistema educacional falho. Eles não reformarão nosso sistema predatório de saúde em benefício do lucro, nem restaurarão nosso direito à privacidade, impedindo a vigilância governamental em massa. Eles não instituirão o financiamento público das eleições para inibir o suborno legalizado que define os cargos eletivos. Eles não aumentarão o salário mínimo. Eles não acabarão com nossas guerras permanentes.

    Mesmo que tenham índices de aprovação de um dígito, terceiros partidos e independentes representam uma ameaça ao duopólio corporativo, porque eles apoiam reformas – como aumento de impostos para corporações e os ricos – que têm amplo apoio público. Eles expõem a corrupção de um sistema que entraria em colapso sem o financiamento de bilionários e corporações. Em quase todas as questões importantes – guerra, políticas comerciais, polícia militarizada, supressão do salário mínimo, hostilidade aos sindicatos, revogação das liberdades civis, exploração do público pelos grandes bancos, empresas de cartões de crédito, grandes empresas farmacêuticas e pela indústria de cuidados de saúde –, há pouca ou nenhuma diferença entre Republicanos e Democratas.

    O poder monolítico sempre confunde privilégio com superioridade moral e intelectual. Ele silencia os críticos e os reformadores. Ele defende ideologias falidas, como o neoliberalismo, para justificar sua onipotência. Ele promove a intolerância e o desejo pela autocracia. Ao longo da história, esses sistemas fechados – sejam monárquicos ou totalitários – se tornam bastiões de ganância, pilhagem, mediocridade e repressão. Eles inevitavelmente levam à tirania ou à revolução. Não há outras opções. Votar em Biden e nos Democratas acelerará o processo. Votar em Cornel desafiará.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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